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Faixas, Lombadas e Pardais

Janeiro/2008

Gastão Reis
         
Certa feita, um grupo de colegiais veio do Rio fazer uma visita a Petrópo-lis. Quando foram perguntados sobre o que mais lhes chamou a atenção em nossa cidade, a resposta padrão que esperaríamos era que fossem as patufas ou a coroa de Dom Pedro II no Museu Imperial. Pois bem. Nada disso. O que impressionou mesmo a garotada foi o fato de os motoristas de Petrópolis pararem nas faixas de pedestres para que eles atravessassem a rua. Sempre que estou fora de Petrópolis, conto essa historinha verdadeira para atrair turistas e visitantes. Na qualidade de presidente do COMTUR – Conselho Municipal de Turismo, isso é parte de minhas obrigações.

De lá para cá, é cada vez mais comum nas ruas de Petrópolis esse gesto civilizado dos motoristas dando vez aos pedestres. Não obstante venham  fa-zendo a coisa certa, as lombadas se multiplicaram. De minha casa em Itaipava ao centro da cidade, por exemplo, são 44 cravadas. Haja freios e poluição des-necessária a cada retomada de aceleração do carro.

Aparentemente o respeito espontâneo às faixas e o forçado às lombadas não foram suficientes para disciplinar o trânsito. Fomos, em seguida, submetidos aos “pardais”, que nos multam impiedosamente, até mesmo por distração, quando, sem querer, ultrapassamos velocidades irritantemente baixas como os 40km/h na Avenida Ipiranga.

Mesmo, como é comum, que não haja qualquer tipo de risco aos pedes-tres. Vivemos uma situação estranha de quem é punido porque vem-se com-portando bem. A seqüência, por certo, deveria ter sido outra no sentido de aprofundar a educação para o trânsito já que os motoristas e pedestres estão-se entendendo bem nas faixas sem ter que apelar para lombadas e “pardais”.

Um pequeno retrospecto sobre o porquê da existência de sinais permitirá entender melhor o contexto. Todos conhecemos cidades pequenas em que não há semáforos. A razão é óbvia: não há densidade de tráfego que justifique sua colocação. Na medida em que se torna denso, eles começam a aparecer. Antes deles, em outros países, em cidades menores, existe a solução intermediária do four-way (quatro caminhos), ou seja, num cruzamento em que existe essa placa, todos os carros têm que parar assim que chegam ao local. Quem chegou primeiro sai primeiro e assim sucessivamente. Claro que isso exige, para funcionar, educação no trânsito.

Em nossa cidade, o cruzamento das Duas Pontes flui melhor, como todos sabem, sem sinal. Pode não ser tão disciplinado em termos de precedência, mas também funciona.

Para piorar ainda mais, foram colocados “pardais” no retão de Itaipava com placas indicativas de velocidade máxima de apenas 50km/h. Eu me lembrei, de imediato, do meu avô que, nos idos de 1960, dizia só dirigir seu carro a 60 km/h no máximo, pois a essa velocidade tinha pleno controle do veículo, inclusive para parar rapidamente. Com os freios bem melhores dos carros atuais, ele teria hoje mais razão ainda.

Itaipava já vive uma situação difícil, pois, em pouco mais de um ano, dobrou o número de lojas comerciais na região, coisa que havia levado 12 anos para ser construído antes. O efeito foi uma queda brutal no valor dos aluguéis e um número recorde de lojas fechadas. A isso se somou um sério agravante: a escassez de público. Pense agora na situação de quem vem passar um fim de semana na região e leva uma multa no retão e, de quebra, inúmeros sacolejos nas lombadas.

Uma carta de leitor ao Caderno Serra de O Globo  (1 e 2 de dezembro corrente) dá bem a medida do que vem acontecendo. Ele reclamava da quantidade de lombadas “não só na Cidade Imperial como em Itaipava”. E continuava, com razão: “Não seria mais producente investir em campanhas educativas de trânsito em vez de punir visitantes e moradores com um sobe-e-desce infindável e muita demora para circular pelos lugares.”

Pergunta: será que esse visitante volta? Pode ser que sim, mas cada vez menos. Se eu mesmo, ao ir para casa, tenho evitado passar pelo retão, indo pela BR-40 até a ponte do Artesão do Pão,  reduzindo dessa forma o fluxo de público comprador que passa pelo centro de Itaipava,  que fará então quem vem relaxar e sai tenso e irritado da serra?

Existem alternativas muito boas para resolver problemas como, por exemplo, os  dos “mergulhos” periódicos de carros na Avenida Barão do Rio Branco. Uma delas já foi testada com sucesso na Rio-SP e na própria Rio-Petrópolis: colocar, nos pontos críticos, avisos do tipo placas com números decrescentes 5, 4, 3 , 2 e 1 com aquele tremelique no asfalto que “acorda” o motorista para sua própria segurança. Nestes pontos, já sabemos, ocorrem 80% dos acidentes, daí a necessidade de sinalizá-los bem.

Esta solução é  mais efetiva e barata do que a irritante colocação de “pardais” por toda parte. (Colocar botões nos sinais a serem acionados, quando necessário, pelos pedestres seria uma outra solução efetiva e inteligente.) Diante dessa situação, com quem quer que se fale, existe um consenso e um veredito: trata-se de uma fábrica de multas em benefício dos cofres municipais.

Outros, na linha da “teoria” da conspiração, afirmam que as firmas que colocam os “pardais” prevêem matematicamente o percentual de multas que irá ocorrer quanto menor for a velocidade estabelecida. E que elas apresentam as polpudas receitas oriundas das multas como isca para vender seu peixe às autoridades municipais.

Resisto em subscrever quaisquer dessas explicações por uma razão muito simples: o saldo da atual administração municipal é muito positivo. Em especial, o salto da arrecadação anual de R$ 170 milhões em 2001 para R$ 350 milhões em 2007, feita de modo inteligente via redução de alíquotas dos impostos municipais com conseqüente ampliação da base tributária.

Mais ainda: sinto no posicionamento das autoridades municipais a humildade de ouvir para acertar. Tudo o que eu disse acima é na linha da crítica construtiva em benefício dos munícipes, de nossos visitantes e turistas.     

Merece registro a experiência similar de uma cidade americana em que as autoridades resolveram colocar muitas lombadas e limite de velocidade de 30km/h. Richard Koch, que cita o exemplo, pergunta o que poderia dar errado com isso. Ele mesmo responde: “Muita coisa. Os carros tinham que trafegar em segunda marcha; assim tornavam-se mais ruidosos e produziam mais gases de escapamento. As saídas para as compras levavam mais tempo e o número de carros nas ruas aumentou. Mas esse problema corrigiu a si mesmo. Depois de algum tempo, menos pessoas iam fazer compra no centro da cidade, preferindo o novo shopping center na periferia de uma cidade vizinha. Isso resolveu os problemas de ruído e poluição, mas levou ao fechamento de muitas lojas da cidade. A receita fiscal caiu. Os impostos tiveram que ser aumentados para as empresas restantes, o que só reforçou o ciclo de declínio. Tudo isso causado por algumas lombadas em uma causa nobre.” Qualquer semelhança com Petrópolis não é mera coincidência.  

Petrópolis vive a agonia dos “pardais” que relutam em bater asas em retirada, a despeito do xô-pardal-xô. É compreensível, pela inutilidade, a animosidade que têm despertado entre os proprietários dos mais de 100 mil veículos que trafegam pela cidade.  E também entre as pessoas   que se utilizam dos ônibus municipais, agora muito lentos e sacolejantes, no  trajeto diário   para ir  e voltar do trabalho.

Desagradar – desnecessariamente – a gregos e troianos não é boa política municipal. Uma cidade em marcha lenta não condiz com a pujança do Espírito Empreendedor que tomou conta de seus habitantes e de suas autoridades.

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