Considerações iniciais
Históricamente, a Fonoaudiologia surgiu da necessidade de reabilitar pacientes com distúrbios de comunicação. Esse serviço era acessível apenas às camadas sócio-econômicas mais privilegiadas, uma vez que não era oferecido pelo setor público.
Essa marca histórica é ainda muito forte , visto que a Fonoaudiologia continua muito mais voltada para o tratamento reabilitador e individual, do que para a saúde preventiva e coletiva. Além disso em geral, sua atuação se dá muito mais em consultórios particulares do que na rede pública.
Existe um movimento no sentido de distanciar a Fonoaudiologia do seu lócus tradicional que é o consultório particular, centrado em atendimento reabilitador e individual. É um movimento de aproximação do cotidiano das pessoas, em especial nos bairros populares (local onde talvez se encontre a clientela que mais necessita do fonoaudiólogo), onde grande parcela da população vive, organiza-se e cria seus canais de expressão.
Nesse sentindo, a inserção na Saúde Pública pode vir a ser uma nova maneira do fazer fonoaudiológico , que dialeticamente nega seu passado para se reconstruir, aproveitando elementos desse passado e do presente. para se constituir em uma nova práxis e em uma nova área de estudo.
O Fonoaudiólogo deve procurar participar na elaboração das políticas de saúde junto às autoridades competentes, na organização, implantação e execução de projetos de Educação, Saúde Pública e Coletiva, nas áreas da comunicação oral e escrita, motricidade, voz e audição que visem à pesquisa, promoção de saúde, prevenção, diagnóstico, habilitação e reabilitação.
A área da Saúde Pública é muito rica nos seus pressupostos, fundamentados em atenção primária, medidas preventivas e educativas, além da integração entre os profissionais de saúde. Porém, seja por motivos político-econômicos, seja por uma cultura médica vigente há tempos, o que ocorre é uma atenção voltada mais para a recuperação e cura do indivíduo. Existem boas iniciativas, como os centros especializados e, mesmo sendo difícil seguir esses ideais ainda há muito a se fazer.
A proposta de trabalho abrange não só o atendimento das alterações da saúde de maior ocorrência na população, mas atuar também principalmente na promoção e na prevenção.
A fonoaudiologia é uma ciência que tem como finalidade cuidar do indivíduo ou de populações no que se refere à comunicação humana em seus aspectos de fala (articulação, voz, fluência), linguagem oral e escrita, audição e sistema motor-oral. Promove, habilita, aperfeiçoa e recupera os padrões comunicativos, sem preconceito de ordem política, social, racial e/ou religiosa.
O fonoaudiólogo tem como objetivos elaborar ações de programas de orientação.A atuação fonoaudiológica em Saúde Pública, abrange uma clientela infantil, materno-infantil , idosos , pacientes neurológicos, oncológicos, portadores de doenças infecto-contagiosas, doenças auto-imunes que afetam o sistema de comunicação e deglutição, em indivíduos carentes de saúde e educação, em sua maioria.
2- O trabalho do Fonoaudiólogo na comunidade
A Fonoaudiologia preventiva é responsável pela eliminação ou interceptação dos fatores que interferem na aquisição, desenvolvimento e degenerescência dos modelos de comunicação; na suposição que essas alterações se desenvolvam em graus progressivos de severidade. Responde pela elaboração e implantação de programas educacionais gerais e específicos, pela realização de triagens, diagnósticos e tratamentos precoces, pela indicação e adaptação de sistemas suplementares de comunicação , pela redução e restabelecimento das desabilidades do efetivo funcionamento do processo global da comunicação, tentando finalmente a reintegração do indivíduo na sociedade.
A Fonoaudiologia na saúde pública deveria ser marcado pelos seguintes princípios:
§ promover mais a saúde do que a reabilitação dos distúrbios da comunicação;
§ orientar dentro dos programas já existentes ,a inserção dessa ciência como agente facilitadora dos distúrbios da comunicação, deixando de olhar o indivíduo, mas levando melhorias ao coletivo.
§ encarar os distúrbios da comunicação de maneira mais abrangente, pois eles se entrelaçam com muitas outras facetas do bem-estar social, tais como o emprego, habitação e educação;
§ atuar na proximidade dos ambientes em que os problemas aparecem;
§ ir ao encontro dos indivíduos, ao invés de ficar passivamente a espera de que eles procurem pelo atendimento fonaoudiológico;
§ discutir a competência lingüístico-social, mais do que se fixar no sintoma, e tentar reduzir ou extinguir os distúrbios da comunicação;
§ educar o público para compreender a natureza e as causas de seus problemas e os recursos disponíveis para se lidar com os mesmos.
Para que o Fonoaudiólogo possa atuar nas unidades básicas de saúde, torna-se necessário definir o papel do mesmo, assim como o trabalho a ser desenvolvido por ele que abrange certamente a prevenção primária, secundária e terciária em três níveis de atenção diferentes, também primária, secundária e terciária.
Na prevenção primária o fonoaudiólogo deverá atuar na educação e conscientização da população sobre os cuidados básicos para a manutenção da saúde global da comunicação, identificando e acompanhando as patologias de maior ocorrência na população, tendo como objetivo diminuir as possibilidades de evolução ou agravamento, prevenindo contra a necessidade de atendimento aos níveis secundários e terciários.
Já na prevenção secundária, seria focalizar a patologia de maior prevalência, atender a população para identificar mais cedo possível as ocorrências patológicas, estabelecer uma relação profissional multidisciplinar e promover condições para que portadores de alterações globais possam desenvolver as suas atividades sociais.
E na prevenção terciária, trabalha-se com a reabilitação das alterações já instaladas de um grupo na população.
3- Considerações finais
Esses atendimentos devem ser efetuados através de programas específicos desenvolvidos junto aos existentes no município, em leitos hospitalares, criando parcerias com os demais ambulatórios e secretarias, para que se tenha um melhor resultado na prevenção, na terapia, na reabilitação e na eliminação de fatores que interferem na aquisição e desenvolvimento dos padrões da fala, linguagem e audição atendendo assim toda à demanda populacional necessitada.
A Fonoaudiologia ainda tem muito que conquistar, especialmente no setor público e em nossa cidade. Para tanto, torna-se fundamental estabelecer espaços , momentos de discussões e de escuta entre fonoaudiólogos, gestores e a população.
O nosso paciente não é só portador de uma deficiência funcional ou processual. Sua patologia pode não doer ou curar-se através de drogas e instalar-se tão sorrateiramente que alguns não enxergam , levando por vezes a uma morte silenciosa e em outras vezes a marginalização desse indivíduo na sociedade.
Dessa forma, tudo que o que for possível em cada momento deve ser feito, pois cada momento é único. Deixar de fazê-lo com a esperança de uma outra oportunidade, transferir resoluções para outro dia, contar com as possibilidades de uma outra época ,é como assinar um contrato de risco com o destino, sem se dar conta de que as cláusulas de tal contrato costumam ser desfavoráveis aos mortais, frente aos altos índices epidemiológicos num país desnutrido e sem cultura.
Sandra Maria Negreiros Furtado
Fonoaudióloga Clínica e Hospitalar- Petrópolis/ RJ