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Exoterismo - Tarô

Um Novo Olhar Sobre o Tarô

Quando ouvimos falar em tarô, normalmente nos reportamos àquele famoso jogo de cartas utilizado para fins de adivinhação. Na verdade, poucos conhecem a verdadeira história desse oráculo, cuja influência na Europa medieval motivou artistas, escritores, livre pensadores (e até religiosos) a uma verdadeira revolução em alguns de seus conceitos culturais e filosóficos. Parte do que se conta sobre o baralho é mito: a imaginação “correu solta” a partir do século XVIII e deu origem várias teorias sobre sua origem, como as famosas egípcia e cigana.

Ao certo, o aparecimento das cartas na Europa é historicamente narrado, ao clero suíço, num documento datado de 1377 por um monge alemão de nome Johannes Von Reinfeldem, fazendo comparações ao jogo de xadrez. E vale dizer que não surgiu com o nome “tarô ou tarot” (sendo estes adotado apenas a partir do século XVII), era conhecido como “Naibis” (provável etimologia para naipe) e “Ludus Cartarum” (literalmente, cartas de jogar). Embora muitos pensem que a Santa Inquisição tenha se pronunciado contra os usuários das cartas, nunca houve, de fato, nenhuma oposição da igreja (apenas alguns decretos de reis que se preocupavam com o vício).

Vale a pena dizer que os baralhos eram artesanalmente criados, o que levava o maço de cartas tornar-se caro, o que o tornava objeto de acesso apenas à elite, à nobreza. Algum reis chegavam a dar de presente as cartas, em outras localidades era tributo real, chegando a ser utilizado como moeda em alguns momentos. Como exemplo disso, podemos citar o baralho clássico Visconti Sforza, o segundo baralho mais antigo que se tem preservado (o primeiro chama-se Gringonneur), fora criado como presente real de Francesco Sforza e Maria Visconti.

Vale dizer que Francesco Petrarca, um dos grandes humanistas italianos, faz referência (?) aos Trunfos (ou Triunfos) em seis lindos poemas, no período final do século XIV.

No século XV o baralho surge com o nome de Tarocco, Tarocchino e principalmente com a denominação de Trunfos. A quantidade de cartas varia de região para região, entre 52 e chegando a 97 cartas! A Itália e a França passam a ser os maiores fabricantes no período.

Ainda tudo muito rústico e artesanal. Já no século XVI muitos personagens do período deram “alavancamento” ao baralho, como Paracelso, John Dee, Giordano Bruno, dentre outros, através de suas obras e idéias. Surge um grupo de elite: os tarotiers (uma espécie de artesãos, que seguiam regras claras para a fabricação dos baralhos e eram tão importantes como alguém que trabalha hoje na Casa da Moeda), responsáveis pela divulgação das cartas.

O dorso das lâminas era ora criado com o sistema denominado “Tares” (desenho raro que surgia como espirais ou respingos de prata), ora o sistema “Tarotée” (múltiplas linhas cruzadas diagonalmente e de tamanhos variados). Há uma possível pista para o surgimento do termo “TAROT” a partir de tais denominações. Mas, foi apenas a partir do século XVII que o baralho ganhou esse nome. O baralho se estabelece com 78 lâminas ou cartas, tradicionalmente usadas até hoje, e todas elas recebem nomes e números, o que não acontecia antes.

O baralho tradicionalmente possui 22 Arcanos (Segredos) Maiores, sob as lâminas do Mago, Imperador, Enamorados, Justiça, Torre, Sol (dentre outras) e 56 Arcanos (Segredos Menores), distribuídos em 04 naipes (Ouros, Paus, Espadas e Copas), numerados de As a 10, mais 04 figuras da Corte em cada naipe (Rei, Rainha, Cavaleiro e Pajem). Foi nesse ciclo que surgiu o famoso “Tarot de Marselha”, cabendo explicar que Marselha é uma cidade portuária francesa e que todos baralhos produzidos no país, e que eram “exportados”, acabavam por passar pelo porto e recebiam o carimbo de Marselha (daí a estigmatização em cima do nome da cidade), embora nenhum tenha sido criado propriamente lá. Mas foi somente no século XVIII que o tarô é alçado entre as artes divinatórias: até então, fora apenas objeto de distração da elite.

Foi o enciclopedista influente francês, de nome Antoine Court de Gébelin, em 1775, através de seu livro Le Monde Primitif , assegura que o baralho tem sua origem no Egito. E arrisca mais: diz que o termo vem da raiz egípcia TAR (estrada) e RO, ROG ou ROS (vida ou real). Mas, Champolion, ao decifrar a famosa Pedra de Roseta, desmente a versão de Gébelin. Infelizmente, a idéia “pegou” e o tarô passou a ser associado a essa cultura. Muitos ocultistas e pesquisadores anos depois, como Eteilla, Papus, Waite, Wirth, Crowley, Levi, dentre outros, passaram a estudar o baralho a partir dessa ótica. Daí, uma “verdadeira avalanche de teorias” surgiu no século seguinte, ligando o tarô a outras vertentes como a Cabala e a Astrologia.

Com a advento da Psicologia no final do século XIX e início do século XX, novos olhares são lançados sobre o mundo simbólico: os sonhos, a exemplo, deixam de ser exclusivamente a conversa dos deuses conosco para se tornar o manancial da vida psíquica; os mitos tornam-se ilustrações dos dramas humanos; endemoniados são interpretados como loucos. Mas, foi o psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) que deu especial importância à fenomenologia do mundo simbólico através da vida humana. Jung percebeu que os símbolos têm, em sua maioria, nascimento nos arquétipos, padrões inerentes à sustentação da vida. Naturalmente, como toda estrutura do baralho é simbólica, Jung percebeu que o manancial contido no tarô é um importante canal de veículo para o inconsciente. No livro “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo”, Jung diz que “as imagens do tarô derivam dos arquétipos da transformação”. Isso sugere que cada lâmina ou carta contém os registros primitivos da psiquê humana, sendo estes motivadores da essência cultural humana.

Nos idos dos anos 80, surge grupos nos EUA e Europa motivados a experimentar o tarô como instrumento terapêutico. Publicações sugerindo a pintura das lâminas, meditações e ou visualizações, auto análises e associações livres, dão novo impulso ao uso do, até então, oráculo divinatório. Mas, foi somente nos anos 90 que ocorreu uma divulgação maciça do uso terapêutico das lâminas, incentivando não só junguianos, mas também cinesiologistas, terapeutas corporais e outras classes de psicoterapeutas. No Brasil, além do surgimento de uma literatura mais rica, o conceito ocultista dá lugar ao conceito psicológico através das cartas.

Certamente, houve um “boom” importantíssimo, alavancando o baralho e chamando a atenção de alguns cientistas. Hoje, contamos com uma boa quantidade de profissionais que fazem uso terapêutico do baralho, utilizando técnicas diversificadas e cada vez mais criativas.

Os resultados já são visíveis: de tratamentos de fobias a depressões, o tarô se tornou um importante auxílio no entendimento da complexa mecânica psíquica. Embora não tenhamos ainda vasto material sobre o tema, já contamos com bons cursos e informações sobre o assunto. Graças à pluralidade simbólica do tarô, mais e mais recursos são descobertos a cada dia nas lâminas, ajudando o ser humano em sua jornada pessoal.

Giancarlo Kind Schmid – tarô-terapeuta, teórico junguiano e simbologista
gianks@ig.com.br

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